segunda-feira, 4 de julho de 2011

O que dizem os teus olhos quando te perdes a observar...


Ela era uma observadora por natureza, em certas alturas observava tanto e participava tão pouco que se sentia num mundo a parte dos amigos e dos colegas.
Mas sempre assim fora… desde de nova que tinha adquirido o vício de observar cada gesto… cada tom de voz ou ligeiro alterar de rosto… mesmo assim muitas vezes era apanhada de surpresa…
Nunca tinha entendido como as pessoas se podiam entregar sem saberem antes o mínimo sobre com quem lidavam…
Não era uma desconfiada por natureza, não isso definitivamente não era… mas sentia prazer em descobrir nos pequenos tiques dos colegas a natureza que tanto gostavam de esconder.
Desde de nova que era assim… ficava horas calada a observar os adultos e tirava as suas próprias elações… tinham sido sempre bastante úteis em várias situações…
Nas escola escolhida sempre as carteiras encostadas a parede, assumindo a posição lateral não só lhe permitia observar o professor mas também os colegas… quem estava com atenção… quem sabia do que se falava… quem estava em pânico.
O problema era que no meio das suas observações perdia tanto a noção da realidade que em aula sim… aula sim era chamada á atenção.
Riu-se espreguiçando-se de encontro aos lençóis de algodão e olhando para o céu azul que invadia o quarto naquela manhã… estava muito saudosista hoje!
Suspirou e levantou-se, sentindo o corpo estalar depois de uma noite de sono leve passada entre o acordar e o adormecer…
“Preciso de um sumo de laranja e de um chuveiro gelado a ver se acordo de vez e espanto os fantasmas do passado” – Pensou
Uma hora mais tarde saia de casa, armada do seu novo brinquedo em direcção ao seu passatempo favorito.
Umas horas na esplanada da Marina, enquanto lia os seus e-mails…respondia aos amigos e observava a população domingueira naquele tímido dia de Verão.
Chegou passado pouco tempo, o dia estava acolhedor… não demasiado quente… morno… lânguido seria a palavra correcta.
Observou a área como sempre fazia, nunca escolhia uma mesa ao acaso, aliás preferia não se sentar a sentar-se num sítio onde se pudesse sentir demasiado exposta.
Sorriu, estava com sorte o seu lugar estava ali… só como se a convidasse a ocupar o seu espaço!
Sentou-se pediu o seu sumo de vitaminas preferido, ajeitou os óculos e dedicou-se ao seu vício:
Ø  País com os filhos com o típico tom agressivo de quem quer impor um crescimento forçado as seus rebentos.
Ø  Casais mudos em frente aos seus respectivos copos… como é possível vivermos com alguém e nada termos para lhe dizer.
Ø  Sorriso falsos entre si enquanto observam a mesa ao lado… pensando sabe lá Deus o quê mas dando para ver na perfeição que não querem estar ali.
Fechou os olhos com força enquanto tirava os óculos e esfregava a cara… inspirou com tristeza pensando:
“Sempre igual… será que não se consegue observar alguém que de facto escolheu com consciência do que queria… que realmente é verdadeiro com os outros e mais importante consigo mesmo?”
Pegou no sumo e enquanto bebericava um pouco baixou os olhos para abrir e ligar o computador sorrindo… parecia uma miúda com o seu Notebook… a sua mini ligação ao mundo.
Foi quando erguia de novo o seu olhar que ele ficou preso na cena que se desenrolava na sua frente…
Um homem e um cão brincavam juntos… mas na verdadeira essência que deve ser a partilha da brincadeira.
Semicerrou os olhos e observou o animal… um Galgo na força da sua juventude… olhos brilhantes, músculos fortes e definidos… fôlego inesgotável.
Sorriu bebendo o sumo… os animais nunca mentem as suas emoções… não escondem e este mostrava a sua alegria no esplendor da força do seu corpo… na leveza e agilidade… no fugir e correr para o dono! Todos os humanos deviam ter a pureza que existe no coração dos animais deu por si a pensar.
Focou em seguida a sua atenção no dono… alto, elegante mas não magro… um olhar duro e doce nos raios cinzentos que como que explodiam por entre as espessas pestanas.
Os lábios firmes com um semi-sorriso exclusivo ao animal. A voz rouca provoca-lhe pequenos arrepios na pele, as mãos grandes… masculinas!
O corpo bronzeado e musculado pelo trabalho e não por horas passadas no ginásio.
A sua atenção totalmente dedicada ao momento dividido entre ambos… como que ausentes do mundo.
Sentiu-se pela primeira vez uma intrusa ao observar a cumplicidade entre ambos os seres que estavam na sua frente… mas não encontrou em si forças suficientes para desviar o olhar.
E quando o cão na sua exuberante brincadeira derrubou o dono que se desfez em gargalhadas não resistiu a rir-se também.
Ela a outsider… a que estava sempre de fora. Que raramente ria… gargalhou e nesse instante viu quando o olhar cinzento cruzou com o seu.
Ele levantou-se com a delicadeza de um felino quando se prepara para caçar a sua presa… passos curtos e poderosos até parar… dono e cão no seu lado.
Ela ergueu o olhar e pensou:
“Um homem perfeito para nos amar e nos fazer sentir parte integrante do mundo! Com ele o momento é nosso ou então ele não estará presente!”
Engoliu em seco obrigando-se a voltar ao presente… apercebendo-se tarde demais do papel ridículo que estava a fazer… copo a meio caminho da boca… rosto corado… olhos muito abertos.
Pousou o copo… tossiu e disse:
“Desculpe não ouvi o que disse!”
“Perguntei se queria dividir comigo aquilo que os seus olhos viram e que mais ninguém reparou!”
“Vejo o que todos vêem se estiverem com atenção!”
“Posso sentar-me? – perguntou – talvez lhe consiga explicar o que quis dizer quando lhe fiz essa pergunta!”
Indicou com a cabeça o lugar vazio do seu lado…observando quando o cão colocava a cabeça no seu colo e a olhava com a atenção desprovida de pudor clássica de quem nada tem a esconder.
“Foi isto que vi no seu olhar – diz apontando o cão – Tem a capacidade de ver com a alma! Não guarde isso só para si… divida comigo o que dizem os seus olhos!”
Suspirou por um momento e perguntou:
“Quanto tempo tem para me ouvir? Nem saberia por onde começar!”
“Para si todo o tempo do mundo! Comece pelo princípio!”
“Então é assim imagine que vive num mundo á parte onde observar faz parte do que é….”!

10 comentários:

Anónimo disse...

belo texto menina :-)
pois é, às vezes observamos tanto que corremos o risco da narradora, o ficarmos de fora... temos de saber dosear observação com ação.... porque por vezes vale a pena agir e interagir... ela travou amizade com o desconhecido interessante.... :-)
bjsss
OlgaM

Paula disse...

Olga,

Ela travou conhecimento com o único ser que lá estava com olhos de ver...
Que não estava fixo na sua vida ou no seu umbigo!
Ela viu-o ele viu-a é assim que começa tudo!
=)
Beijinho

Coisas de Feltro disse...

ai Utena... até uma certa altura parecia que me estavas a descrever...sim, sou uma observadora de pequenos registos, de pequenos pormenores. Tão pequenos que por vezes me escapam os grandes...Posso passar meia hora e não reparar o que uma pessoa tem vestido, mas reparo num pequeno inclinar de cabeça, numa pausa, num baixar o tom de voz...

Um beijo

Paula disse...

Coisas de Feltro,

Observar é óptimo mostra-nos o que são antes de se mostrarem eles mesmos...
Mas viver a margem não é o ideal.
=)
Nada como observar participando
Beijinho

Nokas disse...

Clap clap clap!! Perfeito!!

Paula disse...

Nokas,

Tu queres deixar-me corada?
Obrigada =S

Beijinho

Unknown disse...

Quando sentes falta...
Um activador de memória ;)

Paula disse...

António,

Serve sempre para as duas vertentes.

=)

Autora de Sonhos disse...

E é tão bom quando alguém nos vê!!!

Paula disse...

Autora,

Sim é delicioso sentir isso