terça-feira, 27 de setembro de 2011

Calha a todos... pensavas que não?

Ela parou… admirando-se por se sentir cansada e ligeiramente transpirada. Surpreendida olhou para o horizonte e detectou a ligeira mudança de luz que nos anuncia a saída da madrugada e a entrada da alvorada, distraída olhou para os pés, os sapatos de salto que tinha colocado tinham sido largados no inicio da subida da serra de Sintra, para aí há… quanto tempo mesmo?
Olhou para o relógio e riu-se, não admira que se sentisse cansada estava a andar na serra há 4 horas já!
Quem diria que a noite perfeita se iria transformar num pesadelo que nem ela sabia que teria susceptibilidade a ter…
Suspirou sentando-se numa árvore caída na beira do precipício pensando onde raio estaria, sentindo a convicção que não tinha o mínimo interesse em saber… não era uma criatura da noite mas hoje abraçava-a com vontade.
Fechou os olhos lembrando-se da cena do início da noite a chegada do seu príncipe encantado… sempre tão bem apossado (como gostava de dizer a sua avó), tão cavalheiro nos seus modos finos… a sua cara fechada a que já ela se tinha habituado… nada a tinha preparado para levar com a frase tipo, tantas vezes já dita… milhentas vezes ouvida por tantos no mundo.
“Preciso de dar um tempo. Não és tu sabes sou eu! Estou a sentir-me pressionado e preciso de pensar!”
 Consiga sentir ali, o murro no estômago que lhe tirou o ar na altura.
“Não podes estar a usar essa frase cliché comigo… vá lá! Comigo? Diz as coisas como realmente são. Não sou uma idiota que vai fazer um escândalo ou pedir-te para ficar!”
“Não têm motivo nenhum mais que aquilo que te disse!”
Nunca pensou sentir-se tão pequena… ela a imperturbável… o bloco de gelo como lhe chamavam na faculdade perdeu naquela altura o chão dos pés.
Valeu-lhe anos de controlo facial, obrigação na sua vida laboral para não se desmanchar naquele instante…
Voltou ao presente com um arrepio… a noite não estava fria mas depois de 4 horas de exercício forçado sentia agora o corpo arrefecer gradualmente.
Olhou em redor sentindo-se vazia… inútil… dolorosamente só.
Mas manteve a sua dignidade pensou cinicamente… tal qual uma qualquer heroína de Hollywood dos filmes da década de cinquenta.
Teria ganho o Óscar… nem um brilho de tristeza no olhar quando baixou os olhos de pestanas longas para o cálice de vinho fresco que tinha acabado de ser servido… observou as mãos… o cérebro a mil… levantou-se e na sua voz rouca pausada disse:
“Tens todo o tempo do mundo para pensar no que quiseres e podes começar já agora no jantar!”
“Vais deixar-me a comer sozinho - soluçou ele – sabes que detesto fazer isso!”
Sorriu para ele, naquele sorriso que sabia destruir qualquer oponente numa reunião de negócios…
“Não querias tempo? Aqui o tens!”
E saiu na sua altivez que a tão bem caracteriza mas tão pouco diz de si… e andou até chegar ao cimo de onde se encontrava agora.
Sentindo-se metade de si mesma e odiando-se por isso…
Podia até ouvir a voz da sua mãe que tantas vezes lhe dizia: “Não cuspas para o ar que qualquer dia cai-te na cara!”
-Na mouche mãe… mesmo no meio da testa – Sussurrou para ninguém ouvir.
Nunca imaginou que um dia cairia nessa mesma roda dos sofredores por amor… até já as conseguia ouvir grasnando os conselhos que tantas vezes também ela recitou:
- Ele não vale a pena…não te merece… segue a tua vida e vais ver que o certo está mesmo ali na esquina há tua espera.
Pois deve! Estar ele e a cavalaria toda atrás… a fazer filinha para levarem um pontapé no cú que é o que me apetece no momento…
De repente deu por si a pensar:
“-Gostava de conseguir chorar… morreu um amor não foi? Finito… certo? Então porque não o consigo chorar?!”
E no instante em que pensava isso o sol rompeu pela serra dando os bons dias ao mundo mais uma vez… e ela perdeu-se na beleza do inicio do dia longe do mundo e tal qual como as primeiras gotas de orvalho eram absorvidas pelo seu calor também a sua vontade de se entregar ao desespero desapareceu do seu peito…
Suspirou levantando-se do tronco sentindo os músculos doridos de uma noite de sono perdida e desceu da serra pensando como raio iria apanhar um táxi para casa descalça quando lhe saiu um palavrão da boca depois de ter acertado numa pedra que não tinha sido rápida o suficiente para evitar… e quando baixava os olhos para ver a sua agressora deu de caras com os sapatos que tinha abandonado no inicio da sua reclusão…
E enquanto se apoiava numa árvore e limpava os pés antes de o calçar deu de por si a pensar:
Pelo menos levaste um pontapé no rabo á pouco mas vais arranjadinha para casa!
E levantando a cabeça suspirou uma ultima vez e seguiu caminho pensando já na carrada de relatórios que teria a sua espera no escritório naquela manhã. 
Nota:
Eis o meu regresso aos contos... espero que gostem!

11 comentários:

Teresa Santos disse...

Utena,

Belo regresso!

A narrativa na primeira pessoa estava a deixar-me angustiada. Não, felizmente não eras tu a protagonista!

E vamos continuar?!

Sem dúvida.

Beijinho.

Anónimo disse...

Mais um belo conto!
Com as tuas palavras conseguiste transportar-nos para a serra de Sintra e para a angustia e tristeza da caminhante!!
Quando escreveres o livro, quero um com dedicatória e autografo, ouviste?! :-)

Beijos grandes, Bom trabalho!

OlgaM

Paula disse...

Teresa,

Obrigada... não as protagonistas dos meus contos não sou eu... mas são muitas vezes parte de mim.

Continuarei então =)

Beijinhos

Paula disse...

Olga,

Não ouvi nada pah, li! =)
Nada me dá mais prazer na minha escrita que transportar para o texto quem perde tempo a ler-me.
Esse é para mim o mais belo elogio.

Obrigada
Beijinhos

Anónimo disse...

Então agora é começares a pensar em escrever um livro. :)

M. disse...

E eis o meu regresso ao teu conto. Nem te conto:)

Faz lá o raio do livro!!!

Anónimo disse...

Utenamiga

Voltaste e fizeste muito bem. Obrigado.

Chego aqui – e vários blogues me levaram a isso, benditos sejam – e gosto; palavra que gosto. Se não gostasse ou me calava ou dizia que… não gostava. Sou um ancião, virgem (completei 70 aninhos no dia 20 deste mês), louco militante e escriba praticante.

Acabei de publicar na nossa Travessa um testículo com x, INTERDITO a Senhoras, a menores e até cavalheiros da mais esmerada educação. É um tanto brejeiro e pode ferir a susceptibilidade ou até mesmo o pudor de quem se atreva a lê-lo. Intitula-se A garrafa e os copos. Dele me permito transcrever um passo dos mais inocentes.

“Ela, muda e febril, deixou-se levar, estendeu-se na cama, ele perguntou-lhe posso pôr-lhe o instrumento, refiro-me, claro, ao termómetro, no sovaco? Nata, sem uma palavra, desatou o nó do cinto do roupão, abriu-o um pouco, a camisa de noite não ocultava nada, quando ele se inclinou para tirar a temperatura, os bicos dos seios fugiam da prisão diáfana.”

Repito o alerta: é IMPRÓPRIO para consumo. Depois, não digam tu e a tua malta que não avisei.

Qjs

Anónimo disse...

Utenamiga

Utilizei a forma desgarrada no começo do comentário anterior, pois creio que já quase não te reconhecia da tão longa ausência. Voltaste aos contos e voltas à nossa Travessa, tá?

+ qjs

Paula disse...

Fire,

Sabes que as vezes parece que fica lá o bichinho da vontade

Paula disse...

M.

Tu não voltes apenas ao conto... senão conto-te ai ai!

Beijinhos

Paula disse...

Henrique,

Eu nunca sai de lá apenas ando preguiçosa nos comentários.

Queijos e beijos