sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Este texto tenho mesmo de partilhar

Vocês sabem que eu não gosto de colocar por aqui textos que não sejam de minha autoria... com algumas excepções.
Este li faz já alguns meses... e encheu-me a alma com tudo o que diz explicito e implicitamente...
Foi retirado da revista On Fire... espero que gostem e que o sintam com  a intensidade que ele merece:

"As minhas t'shirts nunca foram de marcas de Surf - By Ricardo Vieira
Antes de mais, desculpa a demora em te informar que continuo"vivo", mas só agora começo realmente a assentar pensamentos. Espero que esta carta - em papel verdadeiro e com selo do correio, quem diria,na era da informática - te encontre - e a tua família - de boa saúde e com animo de viver esta vida, coisa que já tive mais, mas já lá vamos.
Aqui na Suécia corre tudo bem, a minha oferta de emprego revelou ser ainda um pouco melhor do que o falado, com mais algumas regalias do que o esperado. Não me preocupo com a casa, pagam-na, assim como ás outras despesas. Fizeram questão de que tivesse quintal, com jardim relvado e puseram lá todas as ferramentas, novas, necessárias para que me entretenha a escavar terra e a evitar minhocas. Levaram-me a um stand da (...) para escolher um carro. Não puseram limite de preço (acreditas?!). Lembras-te do marreco em que andava ainda há seis meses? Que gastava dois litros aos cem?! Dois litros de óleo de motor, porque de gasolina eram mais uns dez em cima! Andavas tu a sugerir-me um bidon bem derramado nos estofos e ficar a vê-lo a arder na praia ao pôr-do-sol. Ah... Bons tempos. Tu e essa tua loucura que não é de adulto e a maralha toda lá do bairro a ajudar à guerra. E agora tenho um (...) novo em folha?! Outra coisa engraçada é que não preciso de fazer a barba em casa, tenho direito a barbeiro mesmo ao lado da empresa. E no escritório, todos os dias as 10h30 passa a senhora dos bolos e cafés, mesmo lá dentro ao pé de nós. Sabes quanto custa um bolo e um café? Zero. E tenho um kart com o meu nome e tacos de golfe!! Para as competições mensais da empresa. Imagina tu, logo eu de tacos de golfe! Tu que dizias que eu era mais taco de basebol e me aconselhavas calmantes fortes (os do teu cão, maluco!) e o lado de fora das grades de uma prisão. Pareço um beto agora, penteadinho e a andar em cima da relva sem me multarem. Já não me conheço... mas já lá vamos.
Aqui pouco se faz, temos de nos habituar a estes dias e noites intermináveis, a este fenómeno que nos faz  parecer lagartos à procura de sol. E ás vezes fico triste tenho tudo e ando triste. Já te aconteceu? Teres tudo, não teres de lutar por nada e ainda assim te sentires um miserável?!
As vezes... sei lá... às vezes gostava mais de estar aí. É tão estranho a mente humana. Tenho uma vida perfeita aqui, não me falta nada e se faltar peço por telefone e amanhã já tenho e no entanto, de vez em quando, apetece-me largar tudo e apanhar o primeiro avião daqui para fora. Aqui há lagos, mas não há ondas nem cheiro a salitre.
Há pessoas, mas... não são bem pessoas, são certinhas demais, correctas até cansar, de dobrar o pijaminha antes de sair de casa. É sem dúvida, primeiro mundo. Mas são frios. Esqueceram-se do amor a um canto. E são silenciosos até doer - parecem o meu carro novo. Gostava de estar contigo com o Valdemar Baptista, com o Júlio Porém e a Maria Cor de rosa a chupar imperiais na esplanada da praia (a propósito já pagaste o que lá devíamos?). 
Morro por dentro. Morro de sede no deserto rodeado por água. Quero ir embora. Quero ir ter convosco, agarrar num marreco qualquer e irmos todos surfar a algum lado. Quero ouvir gritos de idiotas no trânsito e dentro de água. De pensar nas mãezinhas deles. Quero procurar lugar para estacionar e não encontrar. Quero deixar a barba crescer até onde me apetecer e depois pagar para corta-la. Quero comprar os meus próprios bolos e nem sequer gosto de café! Não preciso de um kart aos trinta anos e o taco nº 2 mesmo com luva faz-me calos! Quero respirar fundo, gritar, cantar na rua e não me acharem maluco. Sabes que se vendem casacos e t'shirts da (...) e da (...) aqui no centro comercial? (Marcas de surf na Suécia nunca pensei). Que tenho dinheiro para comprar tudo e pela primeira vez não quero? Salva-me amigo. Diz-me que está tudo melhor por aí, que posso voltar e encontrar trabalho. É só isso que eu quero. Quero-vos a vocês. Não quero luxos.
As minhas melhores t'shirts nunca foram de marcas de surf."

6 comentários:

dom disse...

E quem deu a conhecer tal beleza de revista e tal beleza de escrito? quem foi?

Epa este texto é tãaaao eu ! ....

faz-me falta o sal na pele ... acho que o próximo fim de semana...

AC disse...

E ficou tudo dito. Não precisamos de luxos e mordomias, precisamos das nossas vidas, dos nossos amigos e da família, das pequenas coisas que afinal são as grandes coisas que nos fazem felizes.

Adorei o texto. Simples mas directo.

Beijo*

Paula disse...

Dom,

O bom de nós são as partilhas...
Acho bem que vás... só te faz bem.

Beijo

Paula disse...

AC,

Só sabemos dar valor ao que temos quando deixamos de o ter.

Beijo Guerreira

Bruna disse...

Adorei!
Somos pessoas, nao somos maquinas telecomandadas.
Precisamos de rir por nada e chorar por tudo.
Sentimentos e emoçoes...precisamos!

Bjnhs

Paula disse...

Bruna,

Precisamos de nos lembrar mais do que somos e menos do que temos!

Beijo